Olá Bauzete!
Queremos conversar com vc sobre um tema delicado que é o foco de ações durante este mês: o suicídio.
A campanha Setembro Amarelo foi criada em 2014 para alertar a população sobre a realidade do suicídio no Brasil e no mundo e suas formas de prevenção.
Soubemos da campanha por uma imagem compartilhada no Facebook pela nossa amiga Érica Fernandes.
Ela aceitou nosso convite para dividir conosco a sua experiência:
“Um dia a gente acorda mas não sente vontade para levantar. Nada faz sentido, as coisas parecem cinzas, não encontramos motivos pra continuar.
Aparentemente tudo está nos eixos, o namoro vai bem, a relação com a família também, os estudos vão de vento em popa. Mesmo assim, tudo ao redor está triste. Tudo parece vazio e a gente se sente sem forças.
Foi assim que o Transtorno Bipolar Afetivo chegou em minha vida. Silencioso, causando estragos. Estragos enormes, alguns irreparáveis. E mal sabia eu que ele sempre esteve lá.
No alto dos meus 20 anos, não conseguia levantar da cama. Saí da faculdade, parei de estudar, larguei meu emprego como vendedora em uma loja, discutia todos os dias com meus pais, perdia amigos que achava que seriam eternos, arranjava milhões de defeitos em meu namoro, tomava remédios pra dormir não importava a hora, me machucava em lugares que os outros não pudessem ver.
Ouvia de familiares e amigos que era preguiça. Me chamavam de mimada, diziam que eu precisava ter apanhado quando criança, que eu não era uma mulher forte, que tinha muito pra crescer.
E assim, todas as relações pessoais em minha vida foram definhando. Meus amigos não eram mais meus amigos. Os convites pra passeios, onde minha presença antes era indispensável, tornaram-se inexistentes. O namoro ia de mal a pior. Os colegas da faculdade da qual saí, espalhavam boatos dizendo que eu era problemática.
E no meio disso tudo? Eu. Eu não sabia mais como existir. Não saía da cama e quando tinha forças pra levantar, me tornava extremamente agressiva com todos. Passava dias sem comer direito, quando enfim, eu comia, comia demais, até passar mal.
Comecei a cortar minha pele. Preferia a dor física do que a dor da alma.
Até que um dia, na casa do meu namorado, criei coragem pra fazer algo que há muito tempo estava na minha cabeça: tomei remédios com intuito de morrer. Fui parar no hospital e passei a noite em observação. Por sorte não tomei uma quantidade de excessiva, então meu corpo iria se recuperar sozinho sem lavagens ou algo do tipo.
Pela primeira vez na vida, passei a noite sendo observada e tomando calmantes. No dia seguinte, dormi por quase 24 horas. Quando acordei, acordei também pra vida. Percebi que não podia continuar naquela situação. Vi que deveria procurar ajuda, me cercar de pessoas que quisessem o meu bem e não me julgassem.
Procurei tratamento e descobri ser portadora do Transtorno Bipolar Afetivo. Uma doença pouco falada, pouco entendida e responsável por uma taxa assustadora de suicídios. Mesmo depois de ter procurado tratamento e ser medicada, aquela noite no hospital não foi a última vez em que tentei me matar. Não foi a última vez em que fiquei sendo observada por médicos e enfermeiros enquanto tentavam me acalmar. Mas foi quando resolvi mudar, e tentei.
Minha mudança não foi bem sucedida no começo, eu não entendia a minha doença, não a via como doença e quando enfim eu entendi que minha doença era séria e que eu precisava de fato, me cuidar e mudar a minha vida, as coisas começaram a andar.
Minha recuperação não foi fácil. Levou praticamente um ano e eu tive muitas perdas pessoais pelo caminho.
Mas hoje estou aqui, resolvi começar de novo, mudei de cidade, voltei para a faculdade em um curso totalmente diferente e que me faz muito feliz! Retomei meu namoro e minha relação com meus pais e conheci pessoas maravilhosas, amigos que não sabem muito bem do meu passado, nunca me viram em crise e tenho fé que nunca verão.
A depressão e a bipolaridade são doenças que não são levadas a sério. As pessoas fazem piadas, não se importam, acham que é bobeira. Mas não é. É sério, elas tiram vidas, destroem carreiras, casamentos. A bipolaridade quase destruiu a minha vida, e por pouquíssimo não me venceu. Eu tive a sorte de ter pessoas ao meu lado prontas pra me amar e apoiar incondicionalmente. E mesmo vendo tantas e tantas pessoas indo embora na fase mais difícil da minha vida, eu vi também o amor das pessoas que jamais iriam me abandonar.
Se conhece alguém com sintomas de depressão ou bipolaridade, cuide dela. Não julgue, não a abandone. Tenha empatia. Ajude-a a buscar tratamento. Eu tive minha segunda chance e hoje mesmo com todas as marcas em meu corpo e dentro de mim, sou uma pessoa feliz e realizada. Apesar e por causa de tudo o que passei, me tornei uma mulher que jamais pensei que iria ser, forte, decidida, com vontade de cuidar das dores dos outros também. Eu tive a chance de recomeçar, mas muitos não têm.
Nesse Setembro Amarelo, ajude com o recomeço de alguém.”
Érica Fernandes